Por trás da cor neutra e da austeridade do corte do vestido ninguém
poderia saber o que se passava. Carne, pele e alma sofriam com tanta
sobriedade.Os gestos não. Seu comportamento era medido. Havia aprendido
como proceder com recato. Fizera um esforço enorme para alinhar o andar
antes ondeado, cruzar as pernas com cuidado, conter as mãos que em outros tempos pareciam
desejar agarrar o mundo em um abraço, mordia a língua afiada.
Cultuar o silêncio, agora, era sagrado.
Não
sabia, coitada, que assim vestia o espírito em espartilho apertado. Uma camisa de
força toldava-lhe a alma. Era outra, a elegante mulher
que a habitava. Séria, confiável, sensata. Uma dama comme il faut.
E
a alegria, onde morava? Não mais ali. Não mais com ela. Alegria era um
endereço de um passado não visitado. Sofria em silêncio, pois nem o luto
lhe era permitido. Vagava aflita por sonhos ceifados, mas era
elogiada pelo discreto recato. Talvez apenas o olhar a denunciasse.
Vinha
assim até que escapou de si um rosto do passado e com ele uma ousadia
incontida. A mão esbarrou em um vaso levando ao chão todo o esforço
acumulado. Confundiram-se cacos de vidro, água, flores, abraços. Um estardalhaço.
Foi salva a mulher por esse desacato. Já ri e se desfaz do cacos,
enquanto inaugura um novo vestido estampado.
3 comentários:
Libertação....... :)
Adorei!!!
Adorei!!!
E adorei teu jeito de escrever!!!!
Encantada!!!!
Abraços!!!
Obrigada Pedro e Daíse.Escrever é, também, um ato de libertação.
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