segunda-feira, 25 de abril de 2011

Cravo.


Não desejo tanto e anseio mais. A ambivalência mora aqui e lá. Dispenso o que a muitos apraz e quero com imensa força o que o olhar traz. Mergulho em poço escuro, de olhos fechados, em mar aberto, tanto faz. Desço, deslizo, afundo em ais. Uma mulher em água se desfaz. Ressurge em sais. A "bruta flor" é um cravo. Cravo no peito é querer mais. A salvação é o cais. Desejo é carrasco e é libertação. Ainda assim desejo mais. Treze vezes trinta cravos lhe satisfaz? Operações numéricas não faço bem. Revoluções armadas também , não. Mas querer, sim. E quero mais. Boa sou, também, em imaginar. Na imaginação multiplico. De um cravo faço mil e neles deito todos os meus anseios de afeto e de paz.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Amanhecer.


Amanheço a qualquer hora do dia
Ou da noite
Com ou sem lua
Amanheço continuamente
Em quartos de hora
Com vagar ou abruptamente
Amanheço sempre.

Ontem, ia alto o luar
E eu amanhecia
Em sonhos perfeitos
Dos quais não lembro
Muito além da perfeição
De amanhecer sonhos refeitos.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Salva.


Mil vezes agradeço à palavra a mim apresentada em salva da mais pura matéria embora não tenha feito dela - palavra- o bom uso que merece.
Disse em outro escrito que a palavra é norma, mas que é também alforria. Liberta sou continuamente pelo verbo que me salva da total inaptidão.
Sou verbo e carne. Verbo e pele. Verbo e vísceras. Verbo e células. Sou verbo e emoção, principalmente.
O silêncio, para alguns, sábio, para mim é remédio amargo. Engulo de uma só vez e travo. Faço, exceção, somente ao silêncio partilhado em sagradas ocasiões.
Quero mesmo sorver palavras doces. Derretê-las como pedras de açúcar que são.
Quero-as em vermelho e preto. Em branco que é paz; em verde que é esperança e é sorte; em céu azul; em lilás.
Desejo o vocábulo como chocolate quente ou café aquecendo língua, garganta e coração.
A palavra pode levar-me à dor, mas, principalmente, cura-me de todas as dores do mundo.
À palavra, minha ou de outrem, concedo a mais sincera gratidão.

Evelyne Furtado
Natal, 11 de abril de 2011.

domingo, 10 de abril de 2011

Em Tempo.


A tarde desce
Sobre mim
Eu sou a tarde
Em ti
Já fui noite
Quando descias
Sobre mim
E mil vezes
Amanheci em ti.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Partida.




Abre os olhos vê a rosa vermelha no tapete claro ao lado da cama. A memória chega-lhe com imagens e sensações fortes. Olha à esquerda apenas para confirmar a ausência e a dor atinge os restos de esperanças.
A noite não lhe curou a dor. Atordoada procura o relógio. Meio-dia. Lembra-se que em seis horas embarcará de volta ao seu país e que precisa chegar com a antecedência recomendada no aeroporto.
A mala aberta e as roupas espalhadas pelo chão denunciam a vontade de ficar. A razão lhe indica que o sonho acabou. Apressa-se no banho, termina de arrumar a mala, apanha a rosa no chão e desce para almoçar no restaurante vizinho. Na volta faz o chek-out e pede um táxi na recepção.
O vôo tem início sem atraso. Ela espera os demais passageiros adormecerem e procura poltronas vaga na parte de trás do avião. Aninha-se em três assentos. Abre a bolsa e retira a flor que havia recebido na noite anterior. Aperta com força as pétalas. Logo não há mais rosa, apenas vestígios de que foi.
Ela confere as horas. Meia noite e o mapa no encosto da poltrona da frente a informa o quanto de Atlântico ainda tinha que cruzar. Fecha os olhos tentando adormecer e percebe que parte de si havia ficado entre os lençóis daquele quarto de hotel.
Fecha os olhos e a imagem dele a invade. Sente-se exausta, mas não consegue dormir um minuto sequer durante vôo. Tampouco adormece ao chegar em casa. Há mesmo quem afirme que nunca mais adormeceu e que passa as noites velando a roseira que plantou.