sábado, 31 de março de 2007

De Lua


Lia nasceu entre os bons e entre estes cresceu. O mal - se existia - estava fora dos seus portões e a menina Lia temia qualquer coisa que pudesse afetar seu lar.Sempre foi dada a fantasiar e algumas fantasias eram perfeitos pesadelos, mas também cultivava sonhos bons. Uma menina boa, meiga, frágil e tímida.
Lia desabrochou na adolescência quando descobriu as delícias das relações afetivas e as perspectivas de liberdade. Muito cedo, porém, teve que optar entre o amor e a liberdade, aí cumpriu seu papel como mandava o figurino.Lia era então um pássaro numa gaiola até que a paixão a chamou insistentemente e ela não conseguiu resistir ao apelo.
Foi quando Lia perdeu o juízo. Ela não dormia, não comia, não se concentrava em nada. Vivia de sonho e de culpa. Logo ela que era tida como uma moça tão boa! Mas Lia não abriu mão do seu momento de paixão proibida e foi. Deu um passo para fora dos seus muros e arriscou. Céu e inferno; ela conheceu os dois em pouco tempo. O sonho não era tão dourado assim como ela sonhara ser e nunca mais Lia foi a mesma. Mudou de par, mudou de casa, mudou de papel. Virou mulher de verdade e sofreu, mas reconhece que foi a menina tímida e rebelde que a fez a mudar.
Lia vem mudando sempre e sou testemunha dessa evolução.Ela não é muito convencional, ainda assim maioria das pessoas que a conhece poderia se assustar com seus arroubos ou transgressões, pois atrás de uma aparente racionalidade mora uma mulher guiada pelo amor e pelas sensações que este proporciona.
Ela tem lá umas esquisitices, mas nada que a comprometa. Na lua cheia, por exemplo, fica mais frágil ainda e se dana a chorar ou a escrever. Às vezes põe no papel textos interessantes, em outras escreve um monte de bobagem. Mas tudo tem uma explicação, mesmo que só ela entenda.
Nem tudo, aliás, pois até hoje ninguém descobriu as razões de mais uma mania doida dessa mulher: gostar de amores complicados. Ela tem um dom para viver relações impossíveis e o pior é que sofre feito uma Madalena.
Lia vive tentando se equilibrar entre a emoção e a razão. Em alguns momentos tudo se confunde e ela não sabe mais o que é realidade e o que é ficção. Mas consegue seguir no seu ritmo e tem seus momentos de profunda felicidade.

Evelyne Furtado, em 31 de março de 2007.

quinta-feira, 29 de março de 2007

As Travessuras da Menina Má


Gosto dos escritores latino-americanos e estou lendo o último livros de Vargas Llosa. Até agora não vi nada mais insosso do que a tal Menina Má, que dá título ao livro do peruano.A chilenita não tem nada que atraia (ao meu ver, claro), a não ser a sua habilidade de mudar de nome, de marido e de país.Porém, até agora o autor não explicou como ela consegue isso. Bem, estou falando antes de terminar a leitura.Vou continuar. Tomara que o texto ganhe força!Depois volto a comentar.

Nísia Floresta, Retrato de Mulher II

Evelyne Furtado
Especial para a GAZETA

‘Nísia Floresta Brasileira Augusta foi a mais notável mulher que a História do Rio Grande do Norte registra". Assim, Veríssimo de Melo inicia o capítulo dedicado a essa brilhante potiguar, em seu livro Patronos e Acadêmicos, sobre a Academia Norte-rio-grandense de Letras. Lendo sobre Nísia Floresta diria que sua notabilidade não está relacionada apenas ao seu estado natal. Nísia foi uma brasileira das mais importantes.

Dionísia Gonçalves Pinto nasceu no Sítio Floresta, município de Papari (hoje Nísia Floresta), no Rio Grande do Norte, em 1810. Do pai português Dionísio Gonçalves Pinto Lisboa, herdou o prenome e o apreço pelo conhecimento. Da mãe brasileira, Dona Antônia Clara Freire, recebeu afeição e apoio.

No ano do nascimento de Dionísia, o lar da família foi visitado pelo inglês Henry Koster, que em seu livro intitulado "Travels in Brazil", de 1816, registrou sua surpresa ao constatar a presença da esposa do dono da casa durante a sua estada, quando das reuniões. Tal fato tão incomum na época dá mostras de que a família de Nísia não se apegava muito às tradições, o que deve ter norteado sua vida e seu trabalho.

Ainda menina, entre os 13 e os 14 anos, Nísia casou-se com um influente proprietário da região a quem abandonou, voltando à casa dos pais, em menos de um ano. Em seguida a família mudou-se para Pernambuco, onde a escritora enamorou-se e passou a morar com o acadêmico de Direito Manoel Augusto de Farias Rocha. Ali publicou seus primeiros artigos, discorrendo sobre a condição feminina, no Jornal Espelho das Brasileiras.

A autora já utilizava então o pseudônimo Nísia Floresta Brasileira Augusta, usando o diminutivo do seu nome de batismo e enaltecendo o sítio onde nasceu, o Brasil e o segundo marido de quem não pôde usar o sobrenome, em face da não oficialização da união.

Em Olinda o pai foi assassinado e Nísia seguiu para o Rio Grande do Sul, onde se estabeleceu junto com marido, os dois filhos, a mãe e as duas irmãs. O advento da Revolução Farroupilha levou a família a deixar o Sul em direção ao Rio de Janeiro.

Na corte, Nísia, já viúva, dedicou-se à educação fundando dois colégios, visando principalmente à preparação intelectual de meninas.
Foi no Rio de Janeiro que publicou Conselhos à Minha Filha, assinando como F.Augusta Brasileira; também colaborou com o Jornal do Brasil e o Jornal do Comércio, entre outras publicações.

Nísia Floresta tinha idéias e comportamentos avançados.Era abolicionista,republicana, indianista e, principalmente, feminista, quando essa expressão ainda nem existia. Talvez, a sua saída do país tenha ocorrido devido a sua postura insurgente contra ao status quo da época. Não havia espaço no Brasil da primeira metade do século XIX para uma mulher sozinha, expressando-se a favor da abolição dos escravos, da proclamação da república e ainda requisitando igualdade de direitos entre homens e mulheres.

Do livro "Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens", de 1832, foi pinçado o seguinte trecho que ilustra o inconformismo de Nísia Floresta quanto à situação das mulheres na época: "Flutuando como barco sem rumo ao sabor do vento neste mar borrascoso que se chama mundo, a mulher foi até aqui conduzida segundo o egoísmo, o interesse pessoal, predominante nos homens de todas as nações".

Imagine-se o impacto do texto acima numa sociedade absolutamente patriarcal, na qual as mulheres tinham a função primordial de agradar aos homens aos quais estivessem ligadas.

A ousadia de Nísia Floresta custou-lhe também o ostracismo nos registros culturais do Brasil por um longo período. Resgatou sua vida e a sua obra, o trabalho de Constância Lima Duarte, editado em 1995, na qual a autora esclarece, por exemplo, que, Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens - primeiro livro publicado pela escritora - trata-se de uma tradução livre do livro da inglesa Mary Wollstonecraft.

Segundo Constância Lima Duarte, Nísia criou uma obra nova a partir do texto da feminista inglesa, enfocando a situação da mulher no Brasil, os preconceitos e dificuldades enfrentados, ao mesmo tempo em que desmistificou a supremacia masculina.

A coragem e o pioneirismo de Nísia Floresta levou-a, com os dois filhos, à França, capital do Iluminismo, justamente no ano seguinte ao da revolução que derrubou definitivamente a monarquia naquele país. A pensadora potiguar viajou por toda a Europa, mas foi na França que se estabeleceu e criou laços. Nísia Floresta estudou, escreveu e privou do convívio dos maiores intelectuais europeus da época. Conviveu com Alexandre Dumas, Victor Hugo, Georges Sand e Augusto Comte.

De Comte, idealizador do Positivismo, foi uma admiradora e uma amiga. Sendo, inclusive, uma das quatro mulheres que ajudou a carregar o esquife do pensador. Todavia, ao que se sabe, Nísia nunca foi adepta da corrente positivista.

Há, ainda, muito que dizer sobre essa mulher extraordinária que nasceu em Papari e morreu em Rouen, na França, em 1875. Nísia Floresta Brasileira Augusta lutou em várias frentes e, mais do que todos os adjetivos aqui citados, ela foi, acima de tudo, humanista, e abraçou todas as causas que acreditava que pudessem trazer mais justiça social às mulheres e aos homens.

quarta-feira, 28 de março de 2007

Ser Mulher



Ser mulher é nascer predestinada à graça e ao choro.É chorar sem vergonha quando tem vontade.É brincar de ser mãe quando menina. É ser frágil e lutar bravamente quando precisa. É ter um sentido a mais para perceber o mundo. É cuidar da família por instinto. É sentir-se linda num dia e muito feia no outro. É variar de humor de acordo com hormônios. É sonhar acordada desde muito cedo.É acolher dores e afetos. É preocupar-se com o bem-estar de quem lhe rodeia. É amar intensamente e dedicar -se a esse amor.É descobrir-se outra mulher, inaugurando um nova maneira de amar quando se torna mãe.É sofrer discriminações e não desistir.È olhar a vida com doçura. É saber pedir ajuda quando necessário.É morrer de raiva , mas perdoar quando ama.É falar muito , mas estar sempre pronta a ouvir.
Ser mulher é deitar-se como uma princesa, após um banho, mesmo que o dia tenha sido exaustivo e a tenha feito sentir-se um trapo.É colorir lábios, unhas e olhos para seduzir, mas continuar tendo esses cuidados mesmo quando o tempo a torna uma velha senhora e romances são apenas doces lembranças.
Ser mulher é saber-se muitas em uma só.Ser mulher é reunir no coração pais, irmãos,amantes,filhos, netos,amigos e ter consciência de que sempre terá espaço para mais um amor.

Evelyne Furrado em 08 de março de 2006.

DE OLHOS FECHADOS


Botticelli, O Nascimento de Vênus.



DE OLHOS FECHADOS

Ela hoje tem contato com seus recantos mais sombrios e sente o desconforto de quem pisa em seus próprios porões. Pela janela do apartamento, ela olha a noite, mas nada vê lá fora.Naquele momento sua vida mostra-se como é, sem os retoques que ela usa para disfarçar pequenas imperfeições em sua aparência.Naquela noite não há brilho.

Acende um cigarro. Voltou a fumar, mas só se permite desfrutar desse prazer quando se encontra só. Não fuma na frente do marido, nem dos filhos, pois a família condena seu pequeno vício.Ela também não come o que tem vontade, pois todos a sua volta fazem dieta e cobram dela o mesmo rigor à mesa.

Ela comporta-se como um modelo de mulher de sua geração. Malha religiosamente todos os dias e seu corpo responde a esse esforço.Tem uma carreira que não é lá essas coisas, mas lhe garante a condição de mulher que trabalha.O marido garante o padrão de vida que desfruta, afinal como poderia morar bem, ter carros do ano na garagem e viajar freqüentemente sem o dinheiro dele? Dinheiro, por sinal, que nem ela, nem ninguém, sabe de onde vem com exatidão.
Ela está só nesta noite e após o banho demorado, usou os cremes que a dermatologista receitou.Naquela manhã, submeteu-se ao último recurso da ciência para manter a expressão jovem no rosto e apesar de ter estranhado o resultado, vai terminar acostumando com o novo contorno dos lábios. Essas novidades vêm com tal força, que logo as pessoas vão achar que todas as mulheres nascem com a boca de Angelina Jolie e os seios de Pamela Anderson.
Seu armário guarda peças que traduzem as últimas tendências da moda.Tudo dividido em um closet com lugar certo para sapatos, bolsas, lingerie, jeans, vestidos, blusas, camisas, etc. Seu interior é que se encontra bagunçado. Ela não sabe mais o que sente ou o que deseja.É uma mulher sensível, porém se deixou seduzir pelas tentações do glamour.
Em alguns momentos, como agora, sua alma dói e ela nem sabe onde dói.Ás vezes o que há é um vazio tão ou mais incômodo que a dor.
Em ocasiões como esta, a solidão faz-se presente com muita força. Ela sente falta de si mesma.Sente saudade da mulher idealizadora, sensível e romântica. Ressente-se das emoções que deixou para trás, das alegrias mais sinceras, dos momentos de afeto e prazer verdadeiros.

Muitos projetos foram executados, todavia os sonhos mais profundos perderam-se no quotidiano. O homem apaixonado com quem se casou, transformou-se em alguém que tudo faz para satisfazer sua vaidade, inclusive oferecendo-lhe presentes para que ela os ostente em reuniões sociais. Por vezes ela sente-se como mais um símbolo que sinaliza a sua posição social e sabe que contribuiu para isso.

Por um breve instante lembra-se de um momento de amor e chega a sentir a magia vivida há tanto tempo. De repente não há tristeza, o sentimento de desprazer se esvai com a recordação, seu rosto é iluminado por um sorriso. No peito, a sensação é de enlevo.

Mas o efeito daquela lembrança é interrompido pela realidade. Ela ouve o barulho da chave na porta, indicando que seu marido chegou em casa, de onde saiu pela manhã.Ele volta cada mais tarde e o que antes a fazia sofrer, passou a ser um alívio.

Imediatamente ela corre para a cama e finge dormir. Fecha os olhos para não ver a expressão de prazer e culpa que ele traz no rosto e que tanto a magoou em outras ocasiões. Não suportaria ter que falar com ele e sair da fantasia que alivia sua dor.
De olhos fechados ela vai continuar seu roteiro romântico de mulher feliz e da vida que poderia ter e não tem.



Evelyne Furtado, 02 de abril de 2006.

Retrato de Mulher - Cecília Meireles




Evelyne Furtado
Cronista
Especial para a GAZETA

Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro em 1901. Veio ao mundo órfã de pai. A mãe, ela perdeu aos três anos. Cecília cresceu com a forte noção de transitoriedade. As perdas foram absorvidas na essência, pela menina que aos nove anos escreveu seu primeiro poema.

O contato com a efemeridade e a solidão deu o tom do seu canto revestido de singular lirismo. Em o 4º Motivo da Rosa, a fugacidade é assim enaltecida: "Não te aflijas com a pétala que voa / também é ser, deixar de ser assim / Rosas verá, só de cinzas franzida / mortas, intactas pelo teu jardim / Eu deixo aroma até nos meus espinhos / ao longe, o vento vai falando de mim / E por perder-me é que vão me lembrando / por desfolhar-me é que não tenho fim".

A singeleza dos seus versos é ornada de beleza natural. Cecília é simples e bela em poesia e prosa. Seus poemas encantam crianças e adultos. Isto ou Aquilo, primeiro poema que li da autora, ainda nos primeiros anos de escola, traz uma das lições mais básicas da vida: ensina de forma lúdica que não podemos ter tudo. Se o doce nos satisfaz, temos que pagar por seu sabor. Se voarmos, perderemos a segurança do solo. A vida é feita de escolhas e tudo tem um preço.

Uma geração cantou Cecília sem saber. Nos anos 70, Raimundo Fagner "emprestou" lindos versos do poema Marchas para sua canção Canteiro e esqueceu de dar o crédito à poetisa. Esse assunto foi resolvido e o compositor pagou pelo esquecimento. Restaram, para nossa sorte, os olhos fechados de quem pensa com saudade em alguém que ama.

A poeta da segunda fase do modernismo não teve vergonha de ser poetisa. Não escondeu sua condição feminina, ao contrário ela falou do universo feminino com transparência. Mostra-se mulher que ama, sofre e sonha em seus textos, quando abre o mar com as próprias mãos para depositar seu sonho de amor.

Cecília fala de vestidos, de espírito, de espelhos e de dor. Qualquer mulher se identifica com seu Retrato e se comove com a autora quando ela busca a face da juventude perdida, não reconhecendo a imagem madura refletida. Diz assim o poema:
"Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?"
A nossa poetisa discorre sobre a vida e a morte sem afetação, mas teve reconhecimento da crítica literária. O crítico e tradutor Paulo Rónai assim a julgou:

"Considero o lirismo de Cecília Meireles o mais elevado da moderna poesia de língua portuguesa. Nenhum outro poeta iguala o seu desprendimento, a sua fluidez, o seu poder transfigurador, a sua simplicidade e seu preciosismo, porque Cecília, só ela, se cerca da nossa poesia primitiva e do nosso lirismo espontâneo... A poesia de Cecília Meireles é uma das mais puras, belas e válidas manifestações da literatura contemporânea".

Eu não poderia discordar de Rónai. Não apenas por sua intelectualidade embasada, mas também por ver assim a poesia de Cecília.

Cecília Meireles foi educadora e escreveu sobre educação. Foi professora de escola do bairro e lecionou Literatura Luso-brasileira na Universidade do Distrito Federal, hoje URFJ. Foi agente ativa na vida cultural do País no século passado. Não se prendeu ao Brasil. Viajou, cambiou culturas. Ganhou prêmios importantes, como os dois Jabutis concedidos pela Academia Brasileira de Letras: o primeiro, por tradução e, o segundo, por sua poesia. Este último, no ano de sua morte.

A escritora admirada também foi "tiete" e conta-se que em uma ocasião em Lisboa marcou um encontro com Fernando Pessoa, no café A Brasileira, freqüentado por Pessoa e onde hoje se encontra uma escultura do poeta entre as mesas da calçada.

Cecília foi ao encontro na hora marcada e esperou por duas horas em vão. Ao retornar ao hotel, entregaram-lhe um livro do poeta português com as suas desculpas. Ele não cumprira o combinado, pois seu horóscopo não recomendava encontros naquele dia. Uma pena!
Assim é Cecília: profissional dedicada, poetisa primorosa, esposa e mãe. Mulher inteira, suave e forte. Simples e por isso mesmo especial.

Morreu em 1964, mas ainda está entre nós como bem disse Mário Quintana em sua terna homenagem: "Nem tudo estará perdido / Enquanto nossos lábios não esquecerem teu nome: Cecília...".