segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Qualquer Idade.


Luiza adormeceu na casa dos trinta e nos sonhos tinha vinte e poucos. Então acordou na obrigatoriedade de se comportar como uma mulher de sessenta e tantos naquela manhã, em que lhe tiraram com apenas uma frase, o excesso de gravidade dispensável a uma mulher em qualquer idade.
Na semana seguinte sentiu como se dezesseis tivesse, embora se esforçasse para pensar com a mente de quarenta.
Nessa contradição lembrava Sinhá Rita, personagem de um conto de Machado de Assis, que trazia uma idade na certidão de nascimento e outra no olhar.
Agora Luíza tem todas as idades durante um só dia. Na frente do espelho alterna na avaliação: uma hora se vê como sempre foi; em outra estranha as novas linhas a lhe marcar o rosto.
No seu íntimo a incoerência se repete : em um momento age com esperança adolescente, para em seguida, com certo cansaço, recolher seus desacertos,
Assim Luíza segue sem fazer contas, mas com muita vontade de chegar aos noventa, vivendo muitos momentos felizes.

Evelyne Furtado

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Desaguando.


Àgua, entre as mãos reter
Impossibilidade absoluta
Motivo de tanto sofrer.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Pequenos Milagres.


Mesmo em roteiros herméticos posso encontrar novas possibilidades e sentimentos imprevisíveis.
A qualquer momento pode surgir algo novo dentro de mim, pois não existe tempo inacessível aos pequenos milagres que dispensam hora marcada.
Os insights são meus pequenos milagres e posso percebê-los no momento em que ocorrem ou me conscientizar posteriormente.
Também acredito nos grandes milagres, mas aqui me refiro aos pequenos que podem acontecer em meio a uma situação do cotidiano solucionando um problema que venho tentando resolver há anos.
Eles surgem como um clarão e mesmo que venham através de um processo lento trazem uma lucidez tão natural que parece impossível não tê-la alcançado antes.
Podem ser frutos de um gesto afetuoso ou da repetição da dor. Podem ter sido anteriormente preparados ou não. Mas isso não interessa muito. O importante é que estarei sempre aberta para recebê-los.

sábado, 21 de novembro de 2009

PASSATEMPO


Passa um dia
E mais um dia
Passa um mês
Passa um ano
Passa a vida
Passa um trem
Passa o amor eterno
Passa a dor também
Passa um rio aqui na frente
Passa os sonhos de adolescente
Passa um cheiro bom
Passa um trio elétrico
Passa o povo feliz
Passa a mulher sensível
Passa o homem sonhador
Passa a flor da idade
Passa o tempo por eles
Passa a maturidade
Passa a lembrança boa
Passa toda saudade
Passa a ansiedade
Passa a oportunidade
E até a felicidade
Passa para a eternidade.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Urgência?!


Que tempo é esse em que as horas escorrem em entardeceres sucessivos?
Não tenho pressa, mas é quase Natal e ainda ontem o Natal era uma longa espera. Agora a data parece colada ao carnaval em meu calendário interior que não se iguala nunca ao oficial.
Quem determino tal aceleramento? A que atribuir a disparada dos dias?
Não sei, apenas especulo, mas não interessa aqui discorrer sobre as minhas teorias.
Desisti de brigar, mas ainda me pego em vigília tentando evitar que as crianças cresçam rápido demais, que as flores não morram de súbito e que a idade não me amarele os sonhos.
A empreitada além de fracassada é pouco inteligente, por isso aprendo a relaxar diante dessa urgência de viver.
Ainda me agarro a algumas lembranças, mas me despeço de outras enquanto o amanhã sem tardar chega à minha janela.
Na correria os sentimentos misturam-se: onde foi lágrima é riso frouxo e a graça é interrompida em segundos pela melancolia.
Os valores também se embaralham entre o antigo e o novo na margem estreita entre passado e futuro.
O tempo não se rende, não, rendida estou eu diante dele tentando salvar o melhor que vivi e cultuando a esperança para o porvir.

Evelyne Furtado, em 09 de novembro de 2009.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Malembá.


Serei dona de uma balsa lá em Malembá. Comprarei apenas uma, pois não se trata de investimento, mas de sonho com vista deslumbrante que sou incapaz de descrever.
Só digo que de tão bonita me afetou ao ponto de querer para lá me mudar. Digo um pouquinho mais: em Malembà tem mar, tem rio, tem falésias, tem dunas e tem céu sem fim.
Malembá é a última praia antes do rio que me leva a Tibau do Sul e à Pipa, porém é mais que isso: Malembá é poesia natural. Claro que eu já conhecia, mas estou redescobrindo lugares dentro e fora de mim.
Malembá me faz rir de chorar ou chorar de rir. Tanto faz. Também não interessa se foi meu estado de espírito que se abriu para Malembà ou se foi Malembá que tocou meu céu.
Importa que me deu vontade de usar sempre vestidos brancos ou verdes e passar meus dias cruzando o rio, levando pessoas de lá para cá.
Não terei uma embarcação grande, pois quero oferecer um bônus precioso a quem àquelas bandas chegar. Enquanto você aguarda a vez do seu carro embarcar, terá todo enlevamento que eu encontrei em Malembá: a espera sem ansiedade e o benefício da contemplação.