terça-feira, 24 de abril de 2007

Enquanto você não vem.

Enquanto você não vem, decidi cuidar de mim. Esperar sentada é acumular frustrações a cada expectativa desfeita. Contar as horas é um exercício torturante, para quem aguarda.

Tentar me distrair também não ajuda tanto: entre uma distração e outra, há espaço para a ausência se instalar.

Não aboli os passatempos, mas optei por olhar para mim e cuidar da minha realidade.Sou alguém sem você. Alguém que pensa, sofre, ri, lê, aprende e cresce.Descobri que a realidade está aqui, ainda que você não esteja. Meu mundo é real e tudo a minha volta existe, apesar de você.

Tenho fantasmas a enterrar, dores a curar, vida a viver.Pensar apenas em você não sanará minhas dores.Sou eu quem tem que tratá-las, ou pelo menos tentar.Preciso encarar meus medos e abrir minhas chagas, se tiver coragem de fazê-los, pois a coragem nem sempre se encontra em mim.

Tenho que ganhar a vida, tenho que tratar meu corpo afetuosamente, tenho que alimentar meu espírito.

Por isso, recebo o carinho do sol no meu corpo quando caminho na praia olhando o mar e o horizonte. É a minha visão do mar e não preciso de você para isso.Leio meus livros com prazer e esse como todos os deleites que disponho são meus e não dependem de você.

As músicas que ouço lembram você, mas o gozo que agracia meus sentidos é meu. A conversa com amigos, as risadas, os abraços e o calor da minha família também podem ser vivenciados por mim com alegria, apesar de sua ausência.

O pranto da saudade ou de dor é a minha maneira de desafogar o peito quando comprimido pela dor. As linhas que escrevo põem em ordem minha bagunça emocional.E cuido de mim, assim, enquanto você não vem.

Quando você chegar estarei bem, graças a minha decisão e a Deus.Partilharei com você todos os momentos vividos e serei melhor para você. Se você não vier, vou sofrer, mas estarei íntegra, pois não deixei uma parte da vida à mercê de você. A memória dos nossos momentos está aqui e é parte de mim.

domingo, 15 de abril de 2007

Zila Mamede: Retratos de mulher III




EVELYNE FURTADO
Especial para a GAZETA

‘Gostaria que Nova Palmeira fizesse parte do Rio Grande do Norte’, dizia Zila Mamede, uma poetisa potiguar, nascida na Paraíba, em 1928.
De família norte-rio-grandense, muito cedo Zila mudou-se para Currais Novos (RN), onde permaneceu até o advento da Segunda Guerra, quando o seu pai foi trabalhar na base aérea de Parnamirim e a família estabeleceu-se em Natal.

A moça, que desejou ser freira, cursou biblioteconomia em Recife, onde teve seus primeiros contatos com a literatura.

Concluindo pós-graduação nos Estados Unidos, Zila voltou a Natal e organizou a biblioteca da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (que hoje tem seu nome) e a Biblioteca Estadual Câmara Cascudo.

Em 1953, foi lançado Rosa de Pedras, primeiro livro de Zila Mamede, considerado por Manoel Bandeira um dos melhores livros brasileiros em versos.

A poesia de Zila contém o sertão de sua infância, o mar que sempre a fascinou, os rios e as lagoas do Rio Grande do Norte.

Seu poema Banho (Rural), incluído na Coletânea Os Cem Melhores Poemas, da Editora Objetiva, revela entre os elementos campesinos uma suave sensualidade:

"De cabaça na mão, céu nos cabelos
à tarde era que a moça desertava
dos arenzés de alcova. Caminhando
um passo brando pelas roças ia
nas vingas nem tocando; reesmagava
na areia os próprios passos, tinha o rio
com margens engolidas por tabocas,
feito mais de abandono que de estrada
e muito mais de estrada que de rio
onde em cacimba e lodo se assentava
água salobre rasa. Salitroso
era o também caminho da cacimba
e mais: o salitroso era deserto.
A moça ali se perdia, afundava-se
enchendo o vasilhame, aventurava
por longo capinzal, cantarolando:
desfibrava os cabelos, a rodilha
e seus vestidos, presos nos tapumes
velando vales, curvas e ravinas
(a rosa de seu ventre, sóis no busto)
libertas nesse banho vesperal.
Moldava-se em sabão, estremecido,
cada vez que dos ombros escorrendo
o frio d'água era carícia antiga.
Secava-se no vento, recolhia
só noite e essências, mansa carregando-as
na morna geografia de seu corpo.
Depois, voltava lentamente os rastos
em deriva à cacimba, se encontrava
nas águas: infinita, liquefeita.
Então era a moça regressava
tendo nos olhos cânticos e aromas
apreendidos no entardecer rural."



Zila pesquisou as obras de Cascudo e de João Cabral de Melo Neto, sendo do poeta uma grande admiradora. Em Drummond teve um leitor e um mestre. Esteve entre os grandes e foi, ela também, um expoente da poesia no Brasil.
Publicou cinco livros de poesias: Rosa de Pedras (1953), Salinas (1958), O Arado (1959), Exercício da Palavra (1975) e Corpo a Corpo (1978). Ainda em 1978, foi publicado Navegos, reunindo todas as obras anteriores.
De Corpo a Corpo, destaco o poema "Onde". Nele a autora inova na forma e expõe questões existenciais com perfeita harmonia:

Entre a ânsia
e a distância
onde me ocultar?
Entre o medo
e o multiapego
onde me atirar?
Entre a querência
e a clarausência
onde me morrer?
Entre a razão
e tal paixão
onde me cumprir?


Em 13 de dezembro de 1985, Zila Mamede integrou-se às águas cálidas e mansas da Praia do Forte em Natal. O mar que sempre a fascinou devolveu seu corpo sem vida na Praia da Redinha. A hipótese de suicídio não foi sustentada e para aqueles que a admiravam, a poeta teve a morte que merecia, pois como cantou Dorival Caymmi "é doce morrer no mar / nas ondas verdes do mar".

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Voltando à Menina Má ( fazendo justiça).


Volto a Vargas Llosa e às Travessuras da Menina Má. Agora é pra valer.O romance é desses que a gente vai lendo à força a príncípio: sem vigor, sem grandes sacadas, nem emoção. Daí o primeiro comentário injusto, mas sincero abaixo. Do meio para o fim, o livro me pegou e não consegui largar. Não faço crítica literária, nem precisava dizer, mas faço questão.Sou da turma que lê por prazer simplesmente e me encantei com o amor inesgotável de Ricardito por sua menina má. Sou romântica, bem latina mesmo, portanto, adorei a ternura com a qual o peruano perdoava a sua menina e a si próprio (por amá-la) tantas vezes.Sempre amando a mulher sem caráter, sem se corromper, recebendo-a de volta sem se diminuir, cuidando do seu amor.Não dá para explicar essa relação, mas o narrador me convenceu de que valeu à pena. Se Deus quiser volto a Paris e quando andar pela Ecole Militaire, lembrarei desse par romãntico tão improvável, tanto na vida quanto na literatura.

Evelyne Furtado.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Mulher Madura


Esse texto foi sugerido por uma amiga, mas o escrevo com muita propriedade, pois o tema é meu também, afinal sou uma mulher madura e descasada, como ela. Fique claro que vou discorrer sobre a vida da mulher de quarenta (um pouco mais, um pouco menos).
Há muitas teorias, muitos mitos sobre a mulher madura. Há estereótipos e é aí que a coisa pega.Se a gente se fixar no que dizem as revistas femininas e outras publicações que tratam do assunto superficialmente, sente-se péssima. As comparações para melhor ou pior sempre afetam nossa auto-estima.
O fato é que convivemos com coisas boas e más, como em todas as idades. Quem tem quarenta anos hoje, já teve quinze, vinte e trinta. Em cada fase conviveu com problemas e alegrias. Encontros e desencontros.
Sofri às vésperas dos trinta e mais ainda às portas dos quarenta.Sofrimento inútil. Não havia um perigo na esquina da quarta década, como meus medos avisavam.Vivi preocupações motivadas pelo mito do fim da juventude, como se esta se esvaísse de um dia para outro. Como se nossos encantos sumissem de repente.Nada disso acontece assim, como se fosse maldição.
O culto à juventude não afeta apenas as mulheres, mas a nós atinge com mais crueldade, todavia vivo muitíssimo bem aos quarenta e poucos anos.Sou hoje uma mulher muito melhor do que fui aos vinte, ainda que alguns não achem isso, com base na aparência.Triste engano! Triste para quem pensa assim e não para mim.
Hoje ainda tenho dúvidas e inseguranças, mas já tive muito mais.Se perdi a inocência, não posso culpar a idade. Isso é amadurecimento!
Ah, aí vem mais um mito: o amadurecimento feminino assusta os homens.E daí, cara pálida? Vou fingir ser insegura para ter alguém fraco ao meu lado? Assumo minhas falhas, mas não as que já superei.Hoje sei mais sobre a vida do que sabia ontem. Saberei mais amanhã, se Deus quiser.
Assim, meninas, vamos vivenciando as delícias da maturidade: usufruindo a possibilidade de fazermos coisas que não podíamos fazer antes, usando o charme que a experiência nos concedeu e dispondo da sabedoria adquirida com a vida.
E não nos deixemos enganar: continuamos tão gostosas como antes ou até mais.Resta encontrar alguém especial que reconheça isso. Se acontecer será ótimo, se não, ainda teremos muito a desfrutar.

Evelyne Furtado, 04 de fevereiro de 2007.