segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Serra Morena.


Os de Serra Morena lá não nasceram. Nasceram, eles, em terras outras, mas lá encontraram pouso, como se pouso tivessem as almas daqueles lá, pois todos padecem de um atroz desassossego.
São todos desvalidos de siso e expressam, tal falta, com urros, murros, silêncios ou imobilidades férreas: Pastoreiam, guerreiam, assaltam, deliram e executam tais feitos como querem ou como a loucura própria determina.
Todos carregam cruzes. Chego a pensar, sobre aqueles lá, que as dores no espírito ou no coração - como queiram vocês chamar o que dói a tal ponto de desassossegar-passaram aos músculos, às carnes, à pele e aos ossos, enfim, tudo dói por lá.
Os de Serra Morena: Cardênio, Lucinda, Teodora, Sancho, o Cura, o Barbeiro, o da Triste Figura, os poetas, os bardos, os romancistas, os amantes de hoje e de ontem e mais todos que se identificam com eles daqui ou de lá, não começaram suas sinas na dor; antes passaram todos pela sina do amor ou algo que o valha.
Sem nenhuma exceção aquelas loucuras juntas tinham em comum, além de uma inegável e suprema graça, a desilusão.
É preciso que se diga, contudo, que para se chegar ao desencanto há que se começar pelo encanto. E haja encantamento: Uns tiveram a ventura de amar e serem amados ou pelo menos acreditaram nessa espécie de condão. Outros eram crentes em capas, espadas, cavalarias, romances e salvação.
Todos perderam da realidade a noção, mas já descem a Serra por obra e graça da fé nas notícias de que ao seu pé há uma estalagem, ou venda; ou café ou castelo, onde suas histórias se cruzarão e que, nesse canto, por obra do maior visionário de todos os tempos, a vida seguirá com o fim dos desencontros, o término da loucura e a vitória da boa vontade aliada a um bocadinho de razão.

Texto inspirado em Dom Quixote, de Miguel de Cervantes.

Evelyne Furtado, 26 de dezembro de 2011.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Ainda Alice.




Mudou móveis de lugar. Separou para doação o que era para doar. Desfez-se do que a ninguém serviria. Rasgou papéis, fotos e lembranças sem mais serventia. Correu à pilha de roupas e retirou uma saia que lá não deveria estar. Aliviada, correu à cozinha. A água estava prestes a ferver. Passar café. Doces goles para dentro aquecer. Na cabeça uma luta entre os assuntos para não pensar. Roupa de cama nova. Nem dava para contar os fios. Lençóis macios. Um banho demorado. Cheiro bom na casa e no corpo. Um arrepio de perda ao se despedir do que não deveria mais ver ou sentir. Com a toalha em turbante envolvendo os cabelos volta à mesa e pensa se não seria mais apropriado tomar uma chávena de chá. Com aquele calor nem café, concluiu. Mas a outra xícara não resistiu. Levou-a consigo enquanto caminhava até a porta. Na parede todas as fotos que não conseguira rasgar. Na gaveta da mesinha achou o que estava a procurar. Deixou a xícara e segurou uma placa de madeira nas mãos. Com o peito pesado, mas com a certeza de que naquele momento não dava para atrás retornar, fez um careta que lembrou um quadro de Dali. Na hora “h” deu alguns passos de costas, tropeçou e caiu no sofá. Aproveitou e voltou a sonhar. Naquela tarde quase pregou na porta, pelo lado de fora, uma tabuleta com os dizeres: Alice não mora mais aqui*.

* Título de filme da década de 70.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Sabina Spielrein.



Há alguns anos assisti Jornada da Alma. Marcou-me as imagens, mas restou pouco do conteúdo. Eu não sabia nada sobre Sabina Spielrein até me debruçar sobre a vida de Carl Gustav Jung, em outubro passado, quando descobri a paciente e provável amante de Jung.
Outra vez dei pouca atenção a Sabina, detendo-me no encontro estrondoso entre Freud e seu discípulo amado. Sabina apenas havia os aproximado.
Um projeto de Cinema e Psicologia deu-me a oportunidade de reencontrar Sabina Spielrein em Jornada da Alma.
O filme aborda o romance entre o médico e a paciente, que aos 20 anos chega à suíça para se tratar de uma "histeria complexa" e se apaixona por Jung, que era casado com Emma. Um amor impossível, mas o amor que a curou.
Após o tratamento a jovem russa forma-se em medicina e torna-se psicanalista. Sofre com o fim do relacionamento com Jung, mas casa-se e retorna à então promissora União Soviética, onde funda uma escola infantil.
Sabina, judia, morre nas mãos do exército nazista em uma sinagoga, em 1942. Sua história passa despercebida nas décadas seguintes. Apenas nos anos setenta vêm à tona suas correspondências. Entre as cartas encontram-se aquelas trocadas com Jung e Freud.
Sabina Spielrein foi uma das pioneiras da psicanálise e elaborou um trabalho valioso, tendo sido citada por Freud em Além do Princípio do Prazer.
De acordo com algumas fontes Sabina também trabalhou com Piaget e apresentou sua obra a Vygostsky na URSS.
Gosto do tratamento dado à relação transcendental entre Sabina e Jung no cinema. Ele, místico, visulizou a morte de Sabina em um sonho.
Conhecer Sabina - a que experimentou as profundezas da alma como paciente e estudiosa - me interessa. Por enquanto deixo minhas impressões sobre
Sabina e Carl.

Mergulha na alma
Arde a pele
Sabina queima
E se perde.

Sussurra Sabina
Delira Sabina
Sofre Sabina
Ondeia a pélvis.

Acham-se:
Sabina e Carl,

Cura Sabina
Ama Sabina
Brinda Sabina.

Inumdam-se de vida
E murcham:
Sabina e Carl.

Rio impossível
De navegar
Singra, Sabina, outro mar.

Renasce Sabina
Estuda Sabina
Vibra Sabina
Promessa e lar.

Almas tocadas por Sabina
Dó- Ré- Mi - Fá.

Corre Sabina
Luta Sabina
Tomba Sabina
No sonho de Carl.