segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Indefinição.


Você é o encontro do primeiro casal. É o choro, o berço e a mão que me ergueu do chão. Você é ternura e secura, abrigo e abandono, lar e rua. Você é esboço e arte pura.Som de gaivotas, norte, proximidade do mar. Você é o amor e o avesso. Dono e posseiro. Descuida e cuida. Luz e breu. Mel e sal. Leite derramado. Fome e desperdício. Você é manhã, tarde, noite e insones madrugadas.Você é tempo bom, é frio, é calor, é (meu) vento brando. Você é tempo desigual. Você é o que olha, é, também, quem lhe olha e o olhar que o ignora. Intensa presença em dolente ausência, você completa e desfalca. Põe e tira. Acalma e desassossega. Arranha e sopra. Chega e sai. Você é instinto e civilização. Memória e esquecimento. Desejo e solidão. Sonho e cotidiano. Mocinho e bandido. Herói ancestral. Você é Eros e Tânatos. Tantos. Múltiplas vontades, vagas possibilidades. Você é céu de brigadeiro e marcas de pneus na minha estrada. Rio que corre devagar. Você é mar aberto, âncora e vaporoso cais.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Etéreas.


Uma esperou toda vida ele chegar para jantar.

Outra nadou mil dias para noutra margem o encontrar.

Aquela não mais dormia com medo de perdê-lo ao sonhar.

Enquanto a do lado, ao contrário, não queria mais despertar.

A de frente abandonou a casa para na fantasia dele morar.

A de trás aprisionou-se em seu mundo para não se esquecer de lembrar.

E tem a que busca o prumo que lhe roubaram a um olhar.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Fiando.


Disponho de um fio
Ao qual me apego
Como se fosse ele a me salvar
Do desvario

E se com ele alcançasse a paz?
Mesmo mais:
O rio que margeia teu leito
Que ao meu, tanto apraz.

Trago-o na face e no olhar.
Enlaço-o em meus dedos
O mesmo fio; que ora me faz dormir
Ora me vem acordar.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Por Deus!

A dimensão do desastre é tão grande que não cabe inteiro na tela da tv. Cabe menos ainda na mente em quem o assiste na segurança de suas casas.
Fala-se no número de vítimas. Desperta-se a solidariedade imediatamente. Discute-se a responsabilidade humana e a força da natureza. Por Deus!
Mas ninguém se fixa no assunto por muito tempo. Logo se passa às performances de Amy Winehouse, à novela que terminou e à que se inicia.
_Como não fazer festa para a chegada de Ronaldinho Gaúcho no Flamengo? Sou flamenguista, mas fiquei, no mínimo, sem graça com tanta euforia enquanto o mundo desabava a poucos quilômetros dali.
E a vida continua no Big Brother Brasil, sim senhor!
Talvez a mídia venha banalizando infortúnios e tal exploração da dor tenha causado certa insensibilidade. Mas nem mesmo sei se minha percepção é correta.
A intensidade da dor tem efeito anestésico e diante do sofrimento amplificado o ser humano recua para um lugar seguro. Um refugia.
Creio que não se trate de indiferença, mas antes da impossibilidade de vivenciarmos a magnitude da aflição. Uma defesa como outras tantas que desenvolvemos para mantermos nosso equilíbrio psíquico.
Contudo essa dor há de ser sentida para que as lições sejam cobradas com urgência. A habituação, nesses casos, é contrária à sobrevivência. Não podemos nos acostumar com o drama real sem reação.
Quanto aos meus sentimentos, confesso que não consigo expressá-los com clareza no momento. Mas minha alma esteve inundada esses dias, por mais que eu tenha evitado sofrer.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Devaneio.


As palavras rebelam-se e não querem sair de mim. Tomam-me por inteira. Já não sou senhora delas; sou serva e como serva calo. Um silêncio confuso mora em mim. Sou feita de palavras ambivalentes: sombrios e esperançosos vocábulos. Ou antes, o contrário, pois a sombra ocupa o espaço da esperança. Conflito, talvez seja esse o motivo da revolução. Venho investigando a razão. Razão? Era muito mais fácil sentir. Agora impera a indecisão: Querer e não poder. Querer mais que poder. Querer e não querer. Tão fácil esquecer enquanto ando na praia. Tão fácil me esquecer no mar. Andar sob o sol, segurando o chapéu com a mão. Receber o vento com alegria. Não falar, apenas ouvir o mar. Difícil é alinhar palavras. Mais difícil organizar pensamentos. Quase impossível domar emoções. Aposto na respiração e ganho. Liberto palavras à toa, sem rigidez, nem ambição de ser boa nisso que faço. Tão bom como andar na areia molhada seria não ter a vontade forte que tenho, mas que não se confunde com força de vontade, pois esta ainda não conquistei. Eu treino força de vontade e paciência. Até bem pouco tempo exercia prazer e ilusão. Hoje não. Quem disse que precisa treinar o que é natural? Ninguém diria tal asneira. O que é instintivo flui como água, não requer disciplina. Escrever e ser paciente, sim. De preferência eu seria onda e espuma, vento e coqueiro, areia e mar. Eu seria somente praia a esperar.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A Primeira Crônica.


Não foi triunfal. Nem tinha porque ser. Mas foi bom. Respondi uma pergunta e comecei assim a escrever a primeira crônica do ano, via mensagem de texto.
Ir à Ponta Negra não foi fácil. O destino era o de muitos nas últimas horas de 2010. O transito nas ruas próximas à praia estava uma bagunça e chegamos com uma chuva torrencial.
Algumas pessoas corriam com a roupa colada no corpo; outras aceitavam a chuva, simplesmente. O tempo e o dinheiro gastos no salão de beleza foram-se com o rápido temporal. Coisa sem nexo fazer escova para um Reveillon na praia!
Chegamos ao hotel com pouco ou quase nenhum dano. A alegria veio nem sei de onde, mas ficou comigo. O local, a música e as companhias ajudaram a mantê-la. Não focar em desejos impossíveis, também.
A chuva passou e o ano com ela. De onde estava vi bem os fogos de artifícios desde o Morro do Careca até a Ponte Newton Navarro. Nada tão espetacular. A queima de fogos durou pouco, mas não me importei. Não estava em Copacabana, afinal, e nem ali para reclamar.
Foi bom ver tanta gente de branco na beira da praia esperando 2011 e o mar esplendoroso à minha frente. Fui contagiada pela esperança que emanava dos que disputavam a praia um pouco abaixo.
Desci para levar flores a Iemanjá, rezando a Nossa Senhora, que a mim é mais próxima. Driblei a multidão e encarei as ondas que vinham indisciplinadamente de todos os lados.
Não sabia se jogava as flores ou se pulava as sete ondas e fiz tudo de uma só vez. Lá pela sexta o mar me invadiu roupa e pele. Na sétima, molhada e sem me decidir entre segurar o vestido e não cair, soltei o último ramo e disparei a rir. Acho que isso se aproxima um pouco do que chamam estado de graça. Nada triunfal. Simplesmente um bom começo de ano. Ainda deve haver uma flor na beira mar.