segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Vestido Estampado

Por trás da cor neutra e da austeridade do corte do vestido ninguém poderia saber o que se passava. Carne, pele e  alma sofriam com tanta sobriedade.Os gestos não. Seu comportamento era medido. Havia aprendido como proceder com recato. Fizera um esforço enorme para alinhar o andar antes ondeado, cruzar as pernas com cuidado, conter as mãos que em outros tempos pareciam desejar agarrar o mundo em um  abraço, mordia a língua afiada. Cultuar o silêncio, agora, era sagrado.

Não sabia, coitada, que assim vestia o espírito em espartilho apertado. Uma camisa de força toldava-lhe a alma.  Era outra, a elegante mulher que a habitava. Séria, confiável, sensata. Uma dama comme il faut

E a alegria, onde morava? Não mais ali. Não mais com ela. Alegria era um endereço de um passado não visitado. Sofria em silêncio, pois nem o luto lhe era permitido. Vagava aflita por sonhos ceifados, mas era elogiada pelo discreto recato. Talvez apenas o olhar a denunciasse.

Vinha assim até que escapou de si um rosto do passado e com ele uma ousadia incontida. A mão esbarrou em um vaso levando ao chão todo o esforço acumulado. Confundiram-se cacos de vidro, água, flores, abraços. Um estardalhaço. Foi salva a mulher por esse desacato. Já ri e se desfaz do cacos, enquanto inaugura um novo vestido estampado.

3 comentários:

Pedro Ferreira disse...

Libertação....... :)

Daíse Lima disse...

Adorei!!!
Adorei!!!
E adorei teu jeito de escrever!!!!

Encantada!!!!

Abraços!!!

Evelyne Furtado. disse...

Obrigada Pedro e Daíse.Escrever é, também, um ato de libertação.