domingo, 27 de setembro de 2009

CORAGEM.


De onde estava eu vi a mulher curvada.
_ Posição mais estranha! Pensei. Mas continuei observando a intimidade vizinha.
Ela abraçava a si mesma. Cabeça encostada aos joelhos, cabelos cobrindo o rosto, braços apertando as pernas.
Ficou em seu ninho por tanto tempo que meu voyeurismo cansou. Fui cuidar de outras coisas e a tarde passou.
Escureceu na janela de lá, porém a luz da noite era suficiente para ver que a mulher continuava encolhida, ainda que em outra posição.
Aquela visão me afligiu como nos afligem as dores mudas de quem se permite parar para sentir, em um mundo que nos obriga correr dos sentimentos profundos. Sem mais poder fazer, apenas respeitei.
Creio ter visto dias depois a mulher rindo na companhia de amigos em um café do bairro. Para mim se tratava da mesma pessoa em estado de alegria, em gestos soltos e expressão confiante.
A mim foi concedida compreensão de que a vida "ora aperta, ora afrouxa," como disse Guimarães Rosa e conclui que viver requer da gente a mesma coragem tanto para sofrer quanto para ser feliz.

Evelyne Furtado, em 28 de setembro de 2009.

A Mulher Que Sou.


Garimpo palavras como se fossem pedras.
Preciosas pedras, difíceis de encontrar.
Para expressar o que sinto
Para expressar o que sou
Preciosas palavras.
Que caibam justinho no meu sentir
Que sirvam ao tamanho do meu amor
Que digam ao mundo quem sou
Sim, que digam quem sou!
Pois sou tantas e todas tão confusas
Que não sei quem sou.
Que não sei aonde vou.
Por vezes, as todas que sou se embaralham.
Tento puxar o fio do novelo.
Para fazer una a mulher que sou:
A mulher criança que fui
A mulher adulta que estou
A mulher apaixonada, tantas vezes magoada.
A mulher feliz, tantas vezes amada.
A adolescente rebelde mora em mim, mulher madura.
A mulher que lutou para ser livre tem medo de ser.
Mas perder minhas asas?
Nunca!
Quero perder o medo da altura
E voar alto para ver melhor o brilho das pedras
E descer, me encurvar e escolher.
As pedras que me dirão quem sou.

Evelyne Furtado, 2006.

sábado, 19 de setembro de 2009

LEMBRETE.




A vida é curta, mas poderemos fazê-la vasta, intensa e bonita em sua brevidade.
Não me refiro aos feitos heróicos ou às bravatas. Falo em vivermos em plenitude da maneira que estiver ao nosso alcance sem nos determos, mais do que o tempo necessário, em situações ou sentimentos que aprisionam nossos espíritos e desvalorizam a vida.
Não nos apequenemos apesar dos apelos insistentes da mediocridade.
Não nos façamos menores do que somos, pois perderemos grandes nacos do pão da vida.
Impossível não nos defrontarmos com atitudes e emoções menores. Nossas ou de outrem , pois o inferno, ao contrário do que disse Sartre , não está exclusivamente no outro. Nossos demoniozinhos particulares também nos atormentam.
Se não dá para desviarmos dos lamaçais que pelo menos aligeiremos nossa passagem por eles.
Mas se cairmos na areia movediça, que nos agarremos aos laços de afetos para voltarmos à superfície e continuarmos a viver bem, pois no fim o que faz a diferença é a nossa capacidade de amar.

sábado, 12 de setembro de 2009

Amor Linear.



Apenas na poesia
Convivem linearmente
O beijo, a entrega e a agonia.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Água de Rosas.


Jogarei água de rosas nas lembranças e lavarei as pedras que pisei nas noites iluminadas por você.
Reforçarei as cores pálidas e atenuarei as muito fortes para harmonizar o quadro que pintei, mas terei cuidado para não alterar a verdade em todas as expressões.
Guardarei os sons das gaivotas anunciando a proximidade do mar, assim como reterei seu sal em mim.
Mergulharei o corpo em água quente para acalmar a alma e envolverei no mais fino tecido o nervo exposto para melhor suportar as pancadas da solidão.
Da mesma maneira cuidarei de você. Escolherei as palavras, amansarei as vontades e o protegerei de qualquer fel.
Talvez não faça perguntas, nem procure mais os porquês. Será suficiente saber que foi um bálsamo lhe conhecer
Acendenderei incensos e farei preces por nós dois, enquanto procuro o melhor lugar para reencontrar você.

domingo, 6 de setembro de 2009

...


Avessa às impermanências
Deito conflitos
Sobre reticências.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

A Espectadora.


De costas para a tela ela aguarda os créditos terminarem para sair do cinema.
Nunca suportou ver cenas de violência, depois passou a lhe incomodar, também, as cenas tristes.
Chegou ao ponto de soluçar em filmes água com açúcar e as cenas românticas causavam-lhe comoção.
Para se proteger resolveu engolir o choro e mergulhar na escuridão.
Se doia demais era preferível não ver. Se antes fechava os olhos; a partir de determinado momento passou virar-se inteiramente para trás em uma atitude absolutamente estranha aos demais espectadores.
Ainda assim (re)conhecia o roteiro, ouvia a trilha sonora e registrava as nuances emocionais dos personagens através de suas falas.
Recupera-se e aos poucos vai arriscando uma olhadinha. Já visualiza as cores e assiste trechos bonitos com prazer.
No momento dà preferência ao último filme que assitiu e reverencia suas passagens preferidas.
Logo verá com imenso prazer a película inteira sem medo algum de chorar ou rir.

* Imagem: Mia Farrow em A Rosa Púrpura do Cairo de Woody Allen.