sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Outras Faces de Clarice.


Há poucos anos, em um dos meus pousos em livraria, dei de cara com a bela apresentação de Correio Feminino, compilação dos textos escritos por Clarice Lispector para a página destinada às mulheres no vespertino carioca Diário de Notícias.

Li com avidez a orelha escrita por Alberto Dines. Sentei, pedi um café e comecei a folhear o exemplar com ansiedade. Afinal, pensei, tratava-se de Clarice Lispector falando para mulheres comuns.Vi-me nesse público e fui folheando os textos com ansiedade.

Ao iniciar tinha certeza de que aquele seria o livro da vez e fui surpreendida por uma Clarice que não se assemelhava em nada a imagem de grande escritora e mulher independente que eu fazia dela.

A coluna era feita por Clarice e assinada pela atriz Ilka Soares. Tratava de frivolidades e ratificava o papel secundário da mulher, que deveria se manter à sombra do seu companheiro em atitudes e discurso. Choquei-me.

A minha impressão foi apressada e injusta. Quem sou para julgar Clarice? Quem sou para condenar uma mulher que escrevia uma coluna de jornal para se manter? Distante das donas de casa brasileiras da década de sessenta, mais distante estou de Clarice Lispector. Avaliei mal e devolvi o livro para a pilha de onde o havia tirado.

Em seguida adquiri Minhas Queridas e a alma abriu-se para a intimidade afetuosa da grande escritora em cartas às irmãs, quando morava fora do Brasil. Ali Clarice é inteira, espontânea, inquieta, generosa e vibrante. Ali, Clarice é um ser humano belissimo.

Na primeira ocasião faltou-me a percepção de que os textos do Diário da Notícia eram escritos tão somente pelas mãos de Clarice, não por sua alma. Perdi-me em preconceitos, rigidez ,e, deixei passar a oportunidade de ver que mesmo naquelas linhas aparentemente frívolas havia a marca da sensibilidade e do talento imensurável de Clarice.

Quando escreveu sobre sedução, por exemplo, Clarice afirmou : “Ela não é bonita, mas... É, mas é sedutora. A beleza apenas não interessa aos homens. E nas amizades, também não é a beleza que conta. O “sex-appeal” interessa por pouco tempo, é fogo de palha. Mas a sedução prende. É coisa mágica: envolve, mesmo que não se entenda de que modo. Talvez você não seja bonita. Não tem importância. Você pode ser irresistível sem ter beleza. Depende de você, em grande parte. Esta é a primeira aulinha. Talvez você pense que não aprendeu nada de positivo. Mas aprendeu, sim. Aprendeu que ser amada não depende de beleza."

Louca por biografias e ainda sob o impacto da minissérie recente, leio Maysa - Só uma Multidão de Amores, do jornalista Lyra Neto e descubro que na mesma época,a intérprete e compositora "assinava" uma coluna no tabloíde, redigida pelo também jornalista Raul Giudicelli, que só ouvia música erudita e nada sabia sobre Maysa.Tratava-se da estratégia de Dines para salvar o vespertino dos Diários Associados que naufragava em 1960.

É com alegria que revejo meu julgamento apressado sobre a mulher Clarice Lispector, pois quanto à escritora não tenho estofo para julgar. Descubro aliviada que o meu erro está sendo reparado.

Olharei com mais interesse as páginas que afastei. Um reparo ao meu alcance. Meu olhar desconfiado afetou apenas a mim, uma vez que os escritos de Clarice para as colunas femininas não arranharam sua reputação. Ademais, ela vivia do que sabia fazer e fazia muito bem em qualquer estilo.

Evelyne Furtado, em 27 de fevereiro de 2009.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

SEM FANTASIA.

Para falar a verdade neste Carnaval não me sentia com vontade de escolher o que usar ou em qual fantasia me esconder. Já fui Jardineira, Baiana, Índia e Melindrosa. Cleópatra, nunca quis ser. Eva, sou na intimidade. Odalisca, não combinava com meu momento. Estava em outra sintonia, mas encontrei a folia e com meu sorriso mais espontâneo me vesti.


Adoro músicas de carnaval. As marchinhas são contagiantes. Para os que não conhecem recomendo o musical Sassaricando - E o Rio Inventou a Marchinha , de Sérgio Cabral (pai), com Soraya Ravene e Eduardo Dusek , entre outros excelentes intérpretes (já em DVD). Uma galeria de saudade, emoção e vibração. Mesmo daquelas que não conhecia gostei e me arrepiei com Máscara Negra e Cidade Maravilhosa.


Cresci entre marchinhas e frevo. Vassourinhas ouço desde criança. Pernambuco, estado vizinho, é habitado por foliões. Percorrer Recife e Olinda no Carnaval é ver fantasias por todos os lados. Acho lindo isso. É quase irresistível a embriaguês do frevo, cantar Capiba, "tomar umas outras e cair no passo" com Alceu.

E quem resiste a um bom samba? Nem mesmo os que são ruins da cabeça ou doente do pé. Eu adoro e os reverencio o ano inteiro. Não falo dos sambas enredos atuais, pois esses evaporam depois do carnaval. Refiro-me aos clássicos.


Também gosto de axé. Negar para quê? Chiclete com Banana não é para pensar. É para tirar o pé do chão e é gostoso levitar. Dalila , o hit atual de Ivete é bom para cantarolar e se mexer, mas tenho a sensação de que é uma música de momento.

Há quem toque e escute forró no carnaval, o que não consigo entender, mas gosto é indiscutível, aprendi. Ainda assim, protesto.

Nesta Quarta de Cinzas despeço-me com um trecho de A Felicidade, música de Tom, letra de Vinicius. Dois gênios. Maestros de melodias e versos. Eternos meninos que fizeram da arte uma deliciosa brincadeira e da vida "uma aventura errante".



"A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
e tudo se acabar na quarta feira"

Reedição.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

RUMO.


Segue,minha alma,
Ao livre desmando
De tua palma.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Felicidade.

Espera-se, corre-se atrás, luta-se por ela. Em nome da felicidade faz-se miséria. Paradoxal? Sim, mas real se a tal felicidade for posta em algo que ambicionamos além de nosso alcance.

Assunto mais que discutido. Tema que não se exaure. Ser feliz é o que o ser humano almeja e na maioria das vezes sem saber exatamente o que é.

Não sei definir. Mas, sei sentir. Sei quando ela me surpreende ou me contagia. Sinto-a como uma lufada de alegria, que alguns dizem não ser sinônimo de felicidade.

Há quem diga que felicidade não é esse momento que nos faz rir espontaneamente. Sinceramente eu discordo. Quando rio por fora e por dentro; quando acordo de bem com o mundo sou feliz.

Falam ainda que felicidade não é euforia e nesse aspecto estou com os que assim se posicionam. Euforia é uma alegria sem cabrestos, sem razão verdadeira, quase loucura, que passa rapido e que todos já sentimos um dia, creio.

Se felicidade for o contrário de tristeza eu a quero, porém não brigarei por ela. Não enfrentarei batalhões para obtê-la. Não valerá a pena os ferimentos causados.

Ninguém escapa da visita da melancolia ocasionalmente. Quando ela chega sento com ela para chorar até me refazer. Depois a despacho com satisfação.

Se quero ser feliz? Sem dúvida. Se cheguei a um conceito de felicidade? Não. Não cheguei, mas deve ser algo parecido com o que estou sentindo. Amém!

Talvez seja mais fácil definir Felicidade, uma criaturinha desprovida de atrativos e de bens, sofrida, sem romances estimulantes e com perdas acumuladas durante a vida.

Uma simples criada, dona de uma alma cheia de amor. A Felicidade à qual me refiro, agora, é a personagem de Flaubert, em Um Coração Puro, conto dos mais belos que li. Mas, essa é outra conversa.


Evelyne Maria de B. Furtado.
12/02/09

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

VAZANTE.


Excedo-me em palavras
Esvaziando a alma
Que transborda
À gota d'água.

Excedo-me na madrugada
Vivendo sonhos
Que dormiam
Sono pesado.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

MOTIVO.





Há dias penso em escrever sobre a efemeridade. Ainda tento lidar com a fugacidade da beleza, da alegria e dos encontros felizes.

Indago, divago, invado-me, procuro motivos e ainda não cheguei ao meu texto, simplesmente por não aceitar totalmente a impermanência do que me é aprazível, ou simplesmente confortável.

A vida, indiferente à minha vontade, ensina. Não me furto ao aprendizado. Já sei quando não há alternativas às mudanças. Já treino outros passos; outros caminhos.

Porém, ainda bato pé como criança em algumas ocasiões. Inquieto-me e todas as minhas inquietações levam-me à completude de Cecília Meireles, que cedo aprendeu a lidar com o efêmero.

Enquanto não encontro as minhas próprias respostas faços de seus versos e verdades o meu canto.

Motivo

Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.
Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias no vento.
Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei.
Não sei se fico ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo: — mais nada.


Cecília Meireles.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Promessa.

Desejo inflamado
Deságua em urgente emoção
-Até amanhã!
Guardarei teu cheiro
Com todo cuidado
Na face da mão.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Marilyn Ùltimas Sessões.


" Os homens querem ir à lua, mas não se interessam pelo coração humano".
Fala de Marilyn Monroe no livro.


Comprei por impulso. Já estava com outro livro na mão quando meus olhos pousaram no volume de capa escura com uma foto de Marilyn Monroe, sorrindo sutilmente com um cigarro na mão.

Li a orelha falando sobre o autor. Um psicanalista francês, escritor premiado que entrelaça, no romance, o relacionamento da atriz com seu psicanalista Ralfh Greenson nos últimos anos de vida da atriz.

Não tinha como errar na aquisição. Adoro biografias e a psicanálise é um assunto a mim muito interessante.

Comecei a ler e o autor não me seduziu a princípio. Acredito que a tradução tenha prejudicado a narrativa. Deixei o livro, marcado e dediquei-me à leitura de outro que já havia iniciado.

Um livro bom quando termina causa-me um vazio. Como se um amor fosse embora. Despedi-me dos personagens queridos e na mesma noite ganhei um brinco cuja a embalagem trazia o nome da loja: Nunca Fui Santa.

Ao me recolher tarde da noite retornei a Marilyn Últimas Sessões exatamente no capítulo em que o autor se referia à gravação de Nunca Fui Santa, filme no qual Marilyn atuou.

Não parei mais de ler e mergulhei na alma de Norma Jeane Baker, a menina perdida que se tornou o maior mito sexual da história moderna.

Se antes me comovia sua morte precoce, aos 36 anos, no ano em que nasci, hoje me espanto por Marilyn Monroe ter resistido esses anos todos, diante da fragilidade que sustentou sua vida.

Sua alma era de uma sobrevivente, a despeito do glamour e da sexualidade aparente. Reiventou-se criando um novo nome, deixando de ser Norma Jeane para se tornar Marilyn Monroe.

Tentou apagar anos de rejeição, resultado pela doença mental da mãe que a abandonou, passando de lar em lar, sendo abusada por pais adotivos, com a troca de sexo para obter amor em sua vida adulta.

Marilyn teve muitos homens, entre eles: Joe DiMagio, jogador de basebol e Arthur Miller, dramaturgo, com quem se casou. Teve casos com Elia Kazan, Frank Sinatra, Ives Montand e , finalmente, com os irmãos John e Bobby Kennedy.

O livro aborda superficialmente esses relacionamentos. O autor explora a relação de dependência total entre a paciente e o psicanlista Ralph Greenson, revelando o caos emocional da mulher por trás da imagem e levantando a hipótese de que o Dr. Greenson dependia da mesma forma de Marilyn.

O livro atrai, pois as estrelas são fascinantes e tentamos descobrir o que existe além do brilho. É então que a psicanálise atua adentrando a alma da mulher que lutou para fugir do estereótipo que Hollywood criara para ela: sexi e boba.

Marilyn Monroe não era superficial. Embora amasse sua imagem, a estrela lia bons autores, preocupava-se em aprender e se aprofundava em seus fantasmas, tentando livrar-se deles. Foi analisada inclusive por Ana Freud.

Era, sim, uma menina em um corpo de mulher que amadurecia, que tinha medo e que era muito só. Entupia-se de barbitúricos, anfentaminas e outras drogas para se manter viva.

Greenson não conseguiu salvá-la da dor e do vazio que a perseguia, apesar de ter, por dois anos, tomado conta de todos os aspectos da vida da mocinha que se tornara atriz para sobreviver a si mesma.

O autor deixa claro, no entanto, que não havia relacionamento sexual entre eles.

A leitura, tem um lado pueril por revelar um pouco a intimidade de alguns mitos do cinema e da política dos anos sessenta, porém é mórbida. E não tinha como escapar disso pois a iniciamos sabendo como foi trágica e ainda incompreendido o fim da vida de Marilyn.

O mito superou a mulher, que em agosto de 1962, sucumbiu ao desespero não se sabe se por acidente ou se por intenção. Ainda hoje as fotos de Marilyn Monroe são disputadas em leilões e seu rosto é conhecido até pelos que nasceram muito depois de sua morte.

Depois do livro, precisarei rever Marilyn cômica e leve em O Pecado Mora ao Lado.



"Ela ficava em polvorosa enquanto a paz não fosse reestabelecida"

Do relatório do Dr. Greenson a Ana Freud.


Marilyn Últimas Sessões.
Autor: Michel Schneider
Editora Alfaguara
Páginas: 423
2006.

* O título é assim mesmo, sem pontuação.